Rap de Chimoio e Beira é debatido em congresso internacional em Portugal

Os pesquisadores Janne Rantala e Carlos Guerra Júnior apresentaram as reivindicações políticas e identitárias dos rappers dessas duas cidades moçambicanas.

O rap das cidades de Chimoio e Beira, localizadas na região Centro de Moçambique, foi assunto de debate durante o Colóquio Activisms in Africa, que está sendo realizado na cidade do Porto, em Portugal. O evento iniciou nesta quarta-feira (24) e encerra na sexta-feira (26).

A apresentação em torno dessas duas cidades ocorreu nesta quinta-feira (25) e teve como título “Diretamente das Outras Províncias´: Práticas para contrapor as invisibilidades no rap de Chimoio e Beira”. Os conferencistas que apresentaram a comunicação são Janne Rantala e Carlos Guerra Júnior, este último também é conhecido artisticamente como Mossoró. Janne participou presencialmente da conferência na Universidade do Porto, enquanto Carlos contribui online, a partir de Porto Velho, cidade no Brasil.

Janne Rantala e Carlos Guerra estudaram sobre o rap moçambicano em suas pesquisas de doutorado. Rantala finalizou o seu doutorado na Finlândia e Carlos em Portugal. Nos últimos anos, ambos estão se dedicando a compreender mais profundamente as dinâmicas regionais do rap de Moçambique.

A frase que dá título à comunicação é retirada da música “Se Não Fosse a TV”, de Extraterrestre. Essa música do artista tem foco pedir visibilidade para as ações que acontecem fora da capital do país, Maputo, e ressaltando a qualidade musical existente nas províncias do Centro e Norte de Moçambique. Isso porque a capital do país está localizada na região Sul.

A apresentação dos pesquisadores utilizou como base o conceito de “linha abissal” do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, renomado sociólogo que recentemente viralizou na mídia moçambicana ao recitar um trecho da música do rapper Azagaia. Boaventura defende a ideia de que a sociedade é forma por linhas, que apesar de serem invisíveis, definem os cidadãos que possuem mais direitos e privilégios.

As linhas perpassam por raça, gênero e geografia. Desse modo, a invisibilidade questionada pelos rappers de Chimoio e da Beira ajuda os pesquisadores a refletir sobre a “maximização” das linhas abissais. Uma vez que os artistas sofrem com uma primeira linha abissal entre o Norte Global e o Sul Global, outra por serem negros e outra por cantarem um gênero musical marginalizado e uma outra por atuarem em uma província fora da capital do seu país africano. Outras formas de maximizar essas linhas são através de divisões de gênero ou por cantar em uma língua não ocidental.

Para Boaventura de Santos, as linhas são invisíveis, no entanto, Rantala ressaltou na sua apresentação que essa linha se torna visível em Moçambique, por conta do Rio Save, que divide o Sul de Moçambique, do restante do país. Desse modo, o artista mencionou um trecho do rapper e apresentador Pier Dogg, natural da Beira, e que ressalta a importância de atravessar o Rio Save bem preparado para ser um vitorioso.

Pier Dogg também foi relembrado na apresentação como criador do evento que promove o principal evento nacional de rap, o Punhos no Ar. Esse evento promove a interligação nacional dos rappers moçambicanos e já contou com representantes de todas as províncias.

Outro ponto que foi enfatizado no evento foram as iniciativas internacionais. O projeto Interligados, criado pelo rapper do Chimoio Inspector Desusado, foi a primeira iniciativa de rap a contar com membros de todos os continentes. Esse grupo também teve destaque em várias edições do programa dos Estados Unidos Planet Earth, Planet Rap, liderado por Chuck D, do lendário grupo Public Enemy.

Além disso, o projeto Barras Maning Arretadas também foi mencionado, por promover uma aliança internacional com mais de 20 países, a partir de uma ligação entre Moçambique e Brasil. Também foi mencionada a participação de rappers da cidade da Beira na compilação Priesthood Internacional, juntos com o afiliado do lendário grupo Wutang Clan Killer Priest.

A apresentação de Janne Rantala e Carlos Guerra ainda mencionou artistas como Kuatro Ases, Dedecco e Duplo V da cidade da Beira, os beatmakers Imblgk e Az Pro da cidade do Chimoio, o rapper Função Inversa, do Chimoio, Sargento Killa de Beira, os rappers Stupa Serious, Y-Not e Tchacka, de Quelimane, bem como o rapper Azagaia, oriundo de Namacha.

Janne Rantala atualmente possui o projeto MSCA Performing Political memory (POME-RAPMOZ) em colaboração com o projeto CIPHER, na University College Cork, da Irlanda e segue com as pesquisas sobre a memória pública e Hip Hop moçambicano. Já Carlos Guerra Júnior é professor de jornalismo da Universidade Federal de Rondônia, no Brasil, e enfatiza o rap moçambicano no programa de pesquisa e extensão Barras – Bloco de Ações em Rap, Rádio e Ausências Sonoras.

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